"A garota avisa que está grávida. Iniciam-se os cumprimentos, presentes e conselhos: passe óleo de amêndoa na barriga, não deixe de fazer exercícios, capriche na alimentação. Até aí, tudo compreensível e bem aceito. Até que a garota pergunta o que fazer para combater o sono. Percebe-se, então, algo estranho no ar. As mulheres em volta, todas já estreadas no papel de mães, entreolham-se. Do entusiasmo, as amigas passam para a piedade. Durma querida, durma bastante, durma até o meio-dia, durma até a cuca vir pegar, porque o sono tranquilo é uma dádiva concedida apenas às mulheres que não têm filhos.
Banquete em Kosovo. Missa em Ibiza. Forro em Montevidéo. Há muitas coisas que não combinam. Filho e oito horas de sono é uma delas. Dormir é um verbo pouco conjugado na maternidade, a não ser que a mãe tenha babá e enfermeira se revezando e um astral muito, mas muito zen.
O bebê nasceu. Parabéns. Ainda no hospital, você entenderá aquele olhar de piedade das amigas. Você será acordada de hora em hora para tomar analgésicos e antiinflamatórios. Será acordada para amamentar o nenê. Será acordada pelo choro do nenê. Será acordada pela emoção de ter tido um filho. Sim você está achando tudo ótimo.
Em casa, segue a movimentação noturna. Você irá acordar de noite para seguir amamentando. Trocará fraldas de madrugada e fará bilu-bilu no filhote enquanto a cidade está num silêncio sepulcral. E mesmo que o nenê seja tranquilo feito um buda, ainda assim você irá espiá-lo no berço para ver se ele está respirando. Tudo bem, é só uma fase, você pensa.
Uma fase, diga-se, que irá durar até o juízo final. Um pouco mais crescidinho, o bebê desejará ir para sua cama: ou você deixa, e o seu sono já era, ou você não deixa e ele berra, e seu sono, babaus.
Crianças têm sede, febre, medo do escuro, dor-de-ouvido e agitações que fazem as cobertas caírem: em compensação, não têm a mínima noção de que são três da matina e mamãe tem uma reunião de trabalho à qual ela gostaria de comparecer sem olheiras.
Crianças perguntam o que é aids, sexo oral e cocaína, dançam o tchan e preferem a Tiazinha aos Teletubbies: insônia, lá vou eu.
Crianças, finalmente, crescem. Já não exigem vigilância cerrada: escapam madrugada afora, bem longe dos seus bocejos. Aí, mummy, não há Lexotan ou Dormonid que lhe faça capotar antes de ouvir o tão esperado barulhinho da chave na porta, denunciando que estão todos de volta, sãos e salvos. Só então você poderá dormir feito um anjo nos vinte minutos que faltam para o sol raiar."
Martha Medeiros - As noites das mães - Maio de 1999 - e será atual em qualquer época.